Relato da Viagem de Campo à aldeia Kôkraxmôr em (São Félix do Xingu, PA)
Relato da Viagem de Campo à aldeia Kôkraxmôr em (São Félix do Xingu, PA)
O projeto de pesquisa “(In)definidos: a perspectiva das línguas sub-representadas”, liderado por Roberta Pires de Oliveira (UFSC), que foi contemplado pelo CNPq 420314/2022-9, na Chamada MCTI/CNPq/FNDCT Nº 40/2022 PRÓ-HUMANIDADES, corresponde a um grupo de pesquisa certificado (dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/6649298354394592), do qual participam pesquisadores de diversas instituições, brasileiras e estrangeiras. A equipe UFRJ é coordenada por Ana Paula Quadros Gomes; essa equipe trabalha com duas línguas originárias, o Terena e o Mebêngôkre (Kayapó). Fazem parte Mebêngôkre (tronco Jê, Família Macro-Jê, Ana Paula Quadros Gomes (coordenadora, professora da UFRJ), Clédson Mendonça Junior (doutorando do PPGLing/UFRJ até novembro de 2024; professor da UNIFESSPA desde dezembro de 2025), Guilherme Augusto Duarte Borges (IC voluntário do Projeto, doutorando pelo PPGLing/UFRJ) e Thaís Gabriella Ramos Figueredo (bolsista IC pelo CNPq 420314/2022-9). Relatamos aqui uma viagem de campo feita a aldeias do Xingu, feita por dois membros da equipe Mebêngôkre,:Clédson Mendonça Junior e Ana Paula Quadros Gomes.
No dia 5 de dezembro de 2024 teve início o IV Seminário de Ensino, Pesquisa e Extensão do Curso de Letras da Unifesspa, o IV SIPEL, que corresponde à SIAC da UFRJ, no sentido de constituir o evento onde atividades e produtos de pesquisa e extensão são apresentadas à comunidade acadêmica; nesse evento, como convidada, Ana Paula Quadros Gomes ministrou um minicurso de semântica aos graduandos, entre os quais havia estudantes indígenas da Unifesspa, e também proferiu a palestra “Me kunī umari — em rede pelos direitos linguísticos, do Projeto de Extensão Ações de Combate ao Preconceito Linguístico”, em que foi apresentado o trabalho de extensão desenvolvido na UFRJ e apoiado pela ProEXT-CAPES à comunidade acadêmica da Faculdade de Letras da Unifesspa. Clédson Mendonça Júnior, egresso da UNIFESSPA e já então aprovado em concurso para professor de terceiro grau, à época aguardando ser chamado para assumir a vaga, também apresentou nesse evento, na qualidade de convidado, um depoimento sobre sua trajetória acadêmica em forma de comunicação oral.
Na sexta-feira, dia 6 de dezembro de 2024, nos reunimos com os caciques Mebêngôkre que estavam no centro da cidade, de regresso de uma reunião com os representantes da represa Belo Monte, para tratar de uma cordo financeiro de indenização; depois de ter sido apresentada a eles, pedi licença para o trabalho que seria realizado nas aldeias, explicando do que se tratava e antecipando o que estava planejado para a semana seguinte. Obtida a permissão dos caciques, visitamos também a sede do Departamento de Educação Escolar Indígena da Secretaria Executiva Municipal de Educação (SEMED) do Município de São Félix do Xingu (PA), para garantir que, em acordo com a FUNAI, nossa entrada em área indígena estivesse autorizada.
Sábado, dia 7 de dezembro, seguimos viagem de voadeira (barco rápido com motor) para a aldeia Kôkraxmôr, onde trabalharíamos na semana seguinte. Já estavam ali diversos professores de escolas indígenas. Passaríamos recolhendo em outras aldeias mais alguns professores de outras escolas indígenas, que também permaneceriam uma semana em Kôkraxmôr, a fim de participarem das atividades que programamos.Ao chegarmos à aldeia Kôkraxmôr, nos instalamos na escola indígena e fomos conhecer a aldeia, bem como nos apresentar às lideranças. No domingo, dia 8 de dezembro, ainda conhecemos outras lideranças e recebemos novos participantes para as atividades, que se instalaram e trocaram ideias conosco. Verificamos as condições materiais de trabalho. A internet só funcionava quando o gerador elétrico era ligado, e o gerador consumia muita gasolina; por isso, ficou estabelecido que ele ficaria ligado durante o módulo de tecnologias sociais, de tarde, mas não durante o módulo de língua e direitos linguísticos, pela manhã. Os horários das atividades foram combinados para aproveitar maximamente a luz natural. Estabeleceu-se um serviço de credenciamento, para que todos os participantes fossem inscritos nas atividades. Uma vez tudo isso acertado e designados os alojamentos de todos, a equipe da cozinha se preparou para produzir cinco refeições diárias: café da manhã, lanche do intervalo matutino, almoço, lanche do intervalo vespertino e jantar.
Na segunda-feira, dia 9 de dezembro, às 8h, houve, logo após um café da manhã coletivo, a abertura das atividades; trabalhamos das 9h até às 13h no módulo Autoestima Linguística do curso de Formação de Agente Glotopolítico, em que trataríamos, ao longo da semana, de Direitos linguísticos na constituição brasileira, de uma breve história linguística dos povos originários, da década internacional das línguas indígenas (ONU) e da riqueza e diversidade linguística no Brasil e de aspectos específicos da gramática do Mebêngôkre (nomes massivos de contáveis, julgamento de quantidade, adjetivos, comparativas, marcação distintiva de quantidade do objeto, aspecto verbal ), com a finalidade de salientar que essa língua se distingue da língua portuguesa em muitos pontos, sem que isso a torne menos interessante o importante, além de falarmos em preconceito linguístico. De 10 a 13 de dezembro o módulo se desenvolveria diariamente, das 8h às 12h30, com intervalo de 30 min para lanche. No dia 9, de dezembro, das 13h30 às 18h, após o almoço, o professor da UNIFESSPA Benedito de Sales Santos deu início ao módulo Ferramentas e Tecnologias Sociais do curso de Formação de Agente Glotopolítico, que teria o seguinte conteúdo: lugar de fala, “nada para nós sem nós”, o alcance da mídia social e aspectos técnicos da produção de vídeos (roteiro, preparação, enquadramento, luz, captação de som, posição do celular etc.), com exercícios práticos diários (coleta de depoimentos por celular). Que seriam exibidos e avaliados em termos de qualidade técnica e riqueza de conteúdo na aula seguinte à sua produção. De 10 a 13 de dezembro o módulo se desenvolveria diariamente, das 14h15 às 18h15, com intervalo de 30 min para lanche.
No dia 14 de dezembro tivemos o encerramento do curso Formação de Agente Glotopolítico, com depoimentos dos participantes sobre as atividades de que participaram. Após essa avaliação pela coletividade, houve uma cerimônia de encerramento que consistiu numa dança masculina de celebração típica da cultura Mebêngôkre. Para tanto, os corpos dos homens (fossem da etnia ou não) foram pintados pelas mulheres presentes (fossem da etnia ou não) com urucum (vermelho) e jenipapo e carvão (preto), bem como foram pintados de vermelho bastões preparados a partir de pedaços de troncos de árvores, que seriam batidos durante a dança.
Diversos dados foram elicitados durante o curso de Formação de Agente Glotopolítico, ressaltando, por comparação, algumas diferenças entre a gramática da língua Mebêngôkre e a da língua portuguesa, sempre de modo a valorizar a diversidade, como riqueza linguística. Notícias do Projeto (in)definidos foram dadas, com retorno sobre alguns dos pontos de análise sobre a gramática do Mebêngôkre que o projeto propiciou.
No dia 14 de dezembro, domingo, após a reunião de avaliação com os parceiros e participantes das oficinas; e depois dessa cerimônia intercultural de encerramento, foram feitas as despedidas, a voadeira foi carregada e procedeu-se à viagem de regresso da aldeia para a sede do município.
Participaram ao Curso de Formação de Agente Glotolpolítico (Workshop composto por dois módulos) 28 pessoas, incluindo os dois ministrantes dos módulos, Ana Paula Quadros Gomes, coordenadora da equipe Mebêngôkre, e o professor parceiro Benedito de Sales Santos, da UNIFESSPA, além do integrante da equipe Mebêngôkre Clédson Mendonça Júnior, então já egresso da UFRJ e ainda não empossado na UNIFESSPA. Tivemos como participantes 25 professores atuantes em escolas indígenas aldeadas, dos quais 17 são Mebêngôkre e 6 Kuben (não-indígenas). Havia representantes de 14 aldeias indígenas: Akrôtijâmre, Kakô, Kamokidjâm Kamure, Kôkôtkrere, Kôkraxmôr, Kremajti, Krinhõ Erê, Kruwanhôngô, Madjýre, Pokrô, Pykararãkre, Rikaroe Tepdjáti. Isso nos alenta e enche de esperança, pois os participantes mostraram entusiasmo e devem ser, naturalmente, multiplicadores das mensagens e temas abordados nesse rico período de convivência e interação.
Lista de participantes
1. Ana Paula Quadros Gomes ——- Coordenadora da equipe Mebêngôkre – UFRJ
2. Baypre KayapóKôkraxmôr Etnia Mebêngôkre, professor indígena
3. Benedito de Sales Santos ———– Professor parceiro – UNIFESSPA
4. Bepdjôm Kayapó aldeia Kôkôtkrere Etnia Mebêngôkre, professor indígena
5. Bepgogoti Kayapó aldeia Tepdjáti Etnia Mebêngôkre, professor indígena
6. Bepmry Kayapó aldeia Madjýre Etnia Mebêngôkre, professor indígena
7. Bepnho Kayapó aldeia Kôkraxmôr Etnia Mebêngôkre, professor indígena
8. Cledson Mendonça Junior ——- Consultor da equipe Mebêngôkre UFRJ
9. Danielle L. da Silva aldeia Kôkraxmôr Kuben, professora indígena
10. Dilcilene da Silva Menezes aldeia Kôkraxmôr Kuben, professora indígena
11. Djwyxêt Kayapó aldeia Rikaro Etnia Mebêngôkre, professor indígena
12. Irerwyk Kayapó aldeia Kremajti Etnia Mebêngôkre, professor indígena
13. Kêrê Kayapó aldeia Pokrô Etnia Mebêngôkre, professor indígena
14. Kruwanore Kayapó aldeia Kakô Etnia Mebêngôkre, professor indígena
15. Kuwkykrô Kayapó aldeia Kruwanhôngô Etnia Mebêngôkre, professor indígena
16. Lilia Vidal Vasconcelos Kôkraxmôr Kuben, professora indígena
17. Luzia Côrrea ——– Profllind UFRJ
18. Luzia Vaconcelos ——– Profllind UFRJ
19. Maria de Fátima B. Freires aldeia Tepdjáti Kuben, professora indígena
20. Maria Madalena de Souza Pereira aldeia Kruwanhôngô Kuben, professora
indígena
21. Marinei Alves Pereira aldeia Tepdjáti Kuben, professora indígena
22. Moxpa KayapóKôkraxmôr Etnia Mebêngôkre, professor indígena
23. Tákákma Kayapó aldeia Akrôtijâmre Etnia Mebêngôkre, professor indígena
24. Tákákpri Kayapó aldeia Kamure Etnia Mebêngôkre, professor indígena
25. Tákàkti Kayapó aldeia Madjýre Etnia Mebêngôkre, professor indígena
26. Tákànhorire Kayapó aldeia Pykararãkre Etnia Mebêngôkre, professor indígena
27. Tekajyr Kayapó aldeia Krinhõ Erê Etnia Mebêngôkre, professor indígena
28. Tônhore Kayapó aldeia Kamokidjâm Etnia Mebêngôkre, professor indígena
A lei municipal n°. 571/2019, de cooficialização da língua Mebêngôkre no município de São Félix do Xingu (PA), aprovada em 13 de novembro de 2019, dava como prazo dezembro de 2024 para que fossem implementadas as medidas de integração linguística em áreas de atendimento ao público. É avaliação geral que a desejada integração não ocorreu. É mister lutar para que ações concretas tenham lugar em 2025, mesmo com atraso. Medidas como atendimento bilingue em hospitais, serviços bancários, cartoriais, hoteleiros, de alimentação e comércio, além de em outros postos de utilidade pública; sinalização bilingue em ruas e localidades públicas; preparação cultural e linguística de professores Kuben enviados às escolas aldeadas, bem como formação continuada bilingue para professores indígenas da própria etnia são reinvindicações que ainda não foram atendidas, embora estejam previstas por lei. Em virtude do esgotamento do prazo para execução da matéria da lei municipal n°. 571/2019, sem resultados, este é um momento crucial para a mobilização dos agentes glotopolíticos, em prol dos direitos linguísticos dos Mebengokrê. Em outras esferas, como no que diz respeito ao ensino médio, existe uma mobilização pelo ensino presencial, com mais escolas físicas nas aldeias, com recusa ao ensino online e ao envio de alunos para escolas localizadas na sede do município, o que é oneroso, dificultoso e, talvez, impeditivo para muitos jovens Mebengokrê., que não têm como empreender essa viagem nem como se sustentar no centro do município, onde teriam de ficar alijados de seus parentes. Por isso, é mais pertinente do que nunca agir em prol dos direitos linguísticos de línguas minorizadas, como é o Mebengokrê.
No lançamento da Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032) pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), o presidente da Assembleia Geral da ONU denunciou a galopante redução da diversidade linguística no mundo, pois, a cada duas semanas, uma língua indígena é silenciada; foi lembrado que, a cada vez que isso ocorre, também se vão a cultura, a tradição e os saberes que a língua carrega. Segundo ele, “se queremos proteger a natureza, devemos ouvir os povos nativos e dialogar na língua deles” (ONU Lança Plano, 2022). Línguas indígenas deixam de ser faladas por conta da discriminação estrutural à qual são submetidas e à situação de vulnerabilidade dos seus usuários. Portanto, …
A colaboração e a continuidade de políticas, a alocação de recursos, os diálogos multilaterais e multisetoriais e a participação significativa dos Povos Indígenas são essenciais para promover, proteger e fortalecer as línguas indígenas, assim como para capacitar seus usuários (Unesco, 2022). O lema da Década Internacional das Línguas Indígenas (DILI), “Nada sobre nós, sem nós”, resgata o lugar de fala dos povos originários, que querem e podem decidir sua própria agenda de lutas.
Seguiremos trabalhando, cultivando as sementes plantadas pelo projeto (In)definditude, que gerou descrição e análise inéditas para a língua Mebêngôkre, e por esse encontro de dezembro de 2024 na aldeia Kôkraxmôr, as quais acreditamos terem encontrado solo muito fértil para um trabalho colaborativo em linguística e em direitos linguísticos
Ana Paula Quadros Gomes (UFRJ)